domingo, 6 de novembro de 2011

Sobre o Domínio de Si

Muitas vezes ouvimos falar em autocontrole, autoconhecimento, em domínio de si e outras coisas parecidas, as vezes até paramos para pensar um pouco no assunto, mas é extremamente difícil saber se realmente a pessoa conhece a si mesma. Geralmente pequenos detalhes passam despercebidos, como pequenos comentários que são ditos sem se pensar no assunto, que saem espontaneamente, ações que temos em momentos de alegria, raiva ou excitação, nossa atitude em relação a cada coisa que nos acontece, como uma nota baixa, uma ligação malcriada de alguém, uma fechada no trânsito, uma grosseria sofrida, alguma perda...
Boa parte das pessoas hoje em dia tem algum tipo de vício, algum tipo de extravasar suas emoções sem prejudicar alguém, alguma forma de se podar, claro que isto trás sua contrapartida, pois a ausência do vício ‘enlouquece’ a pessoa e a faz ter atitudes que não teria normalmente, algumas ficam agressiva, outras perdidas, outras tristes, outras não conseguem canalisar algumas emoções. Vivemos numa sociedade de muitas mudanças, tudo muda o tempo todo, recebemos informações o tempo todo, a todo momento estamos conectados com pessoas de qualquer lugar do mundo, não dependemos mais somente de um computador para estabelecer contatos através da internet com pessoas de diversos lugares do mundo. Hoje estamos conectados através de celulares e tablets, mesmo que seja precária a maioria das conexões de internet de celulares ou que os tablets não tenham superado as 250.000 vendas ainda, vemos em todos os lugares cada um ligado com seu celular, ouvindo suas músicas, conectado no facebook, Orkut e outras redes sociais, navegando... Todos no seu mundo interior.
A forma como estabelecemos contatos e a mudança destes, além dos diversos, dos milhares meios de distração que temos à nossa volta, somados a rotinas extremamente desgastantes de trabalho e escola, cursos, afazeres domésticos dentre outros nos deixa praticamente nenhum tempo livre para uma reflexão séria sobre nossa vida, a forma que agimos, que falamos, o que falamos, com quem falamos, onde vamos, o que desejamos, porque temos tais desejos, o que queremos para o futuro, se nossas ações estão de acordo com nossos sonhos e discursos...
Infelizmente a falta de tempo e de conhecimento de si faz com que as pessoas ajam como animais, completamente instintivas e momentâneas, planos para o futuro são apenas o planejamento de carnês para aquisição de alguns bens, nunca sobre nossa vida, nosso tempo, nosso maior bem, como diria o sábio Sêneca há quase dois mil anos. Desperdiçamos nosso tempo como se fosse eterno, como se pudéssemos recuperá-lo, como se o tivéssemos de sobra, deixamos que amantes, inimigos, credores e clientes, futilidades, prazeres carnais, brigas, riquezas e outras coisas tomem de nós praticamente todo o nosso tempo. No fim da vida quanto tempo teremos realmente vivido. Sêneca lhe indagaria:

“Perscruta a tua memória: quando atingiste um objetivo? Quantas vezes o dia transcorreu com o planejado? Quando usaste teu tempo contigo mesmo? Quando mantiveste uma boa aparência, o espírito tranquilo? Quantas obras fizestes para ti com um tempo tão longo? Quantos não esbanjaram sua vida sem que notasses o que estava perdendo? O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis, e quão pouco te restou do que era teu?”
(Sêneca, Sobre a Brevidade da Vida)

Conto nos dedos pessoas que conheço que provavelmente fariam uma reflexão seria sobre estas questões, talvez dois. A maioria de nós quer apenas viver, viver o hoje, não quer pensar, dá muito trabalho, cansa, não leva a lugar algum, assim diz a voz dos preguiçosos-de-si. Passamos grande parte do tempo entregue aos vícios e prazeres, e eles nós tiram grande parte de nossos problemas – momentaneamente. Por não estarmos interessados em conhecermos a nós mesmos, em termos o controle sobre nossa vida, sobre nossos desejos e instintos, agimos impulsivamente tentando satisfazer nossos prazeres, vivemos atrás de sexo, diversão, dinheiro, alguns de bebidas ou drogas. Cada vez que conseguimos diversão, sexo, bebida, reprimimos nosso desejo, que voltará em breve a agir sobre nosso corpo, cada vez com mais intensidade, assim cairemos num circulo vicioso de desejo > busca por prazeres > satisfação dos desejos > desejo. Passamos a vida toda desperdiçada nisso, seremos escravos de nós mesmos.
Não sabemos que estamos nesse círculo vicioso até que cortamos algum ou alguns de nossos vícios, independentemente do motivo, ou quando ele atingir um nível tão elevado que atrapalhe qualquer ação do ser humano, ele terá problemas de relacionamento em sociedade, em tudo ele desejará satisfazer aquele desejo. Se tornará um alcoólatra, um drogado, um ninfomaníaco, um workaholic dentre tantas outras coisas. Ainda terá sorte se conseguir chegar a esta conclusão, a maioria não chega, já perdeu sua capacidade de raciocínio. O problema contudo está no seio de nossa sociedade, o problema está na educação, no falho processe educacional que temos, numa legislação ineficiente, nas diversas fontes de saciedade que temos disponível em toda esquina e a preços baixíssimos.
A bebida é um exemplo clássico e comum de como o álcool age sobre nosso corpo sem notarmos. Geralmente quando estamos tensos, tristes, muito felizes, sem nada pra fazer, excitados, se divertindo, em qualquer momento conseguimos inserir o álcool como uma antípoda àquilo que sentimos, se estamos tristes, o álcool nos alegre, se estamos excitados, ele conserva a excitação, faz com que você fique desinibido, alegre, conversante, vá atrás da satisfação de suas necessidades de uma forma mais relaxada, quando está alegre, fica mais alegre, quando está tenso relaxa, quando não tem nada pra fazer ou pra sair ou conversar ele te acompanha. Ele está presente em todos os momentos sempre como uma coisa boa, e mesmo que você exagere e passe mal, você pode até cortar determinada bebida, mas não parará de beber, a culpa é sua, nunca da bebida. O homem não pode tirar dele a única salvação que possui para sua felicidade. Tudo passa a ser controlado, dosado com o álcool. Quando você para de fazer uso, ele elevará todas as suas necessidades e desejos a estágios superiores do que estava antes de beber e de quando bebia, você perde o controle, elas passam assumir o controle, você perde. Voltar ao eixo, encontrar uma forma de canalizar toda ‘tensão’ pode ser muito demorado, geralmente a pessoa se entrega a outro vício, que tem o mesmo papel do primeiro. Isso quando ela desde o começo já não usa dois, ou mais. O cigarro é outra forma muito comum.
Falta ao ser humano uma formação humanística, ético-moral, política, filosófica. Falta o cultivo de si, a reflexão, o tempo-a-só-consigo-mesmo, o estudo dos clássicos da literatura, da filosofia. Falta ao homem limites consigo próprio, faltam-lhe valores – nossos valores morais (cristãos) estão mortos há séculos, mas ainda não foram substituídos, repensados. Deus está morto, e com isto o homem percebeu que nada pode impor-lhe limites, neste sentido a lei também é falha. O Estado também não forma mais seres humanos, não formam-se mais pessoas, formam-se máquinas do governo, profissionais. O ser humano é ruim de natureza, se não o fosse não teria ocorrido o parricídio descrito do Freud, quando no início da civilização um dos filhos matou o pai para obter o poder, de onde surgiram as leis, a sociedade, consequentemente, a polícia, o Estado, leis e códigos que regulamentam os limites do homem, sendo possível a punição para os que os excederem.
Precisamos de uma reforma educacional, legislativa, moral, ética. Precisamos ser como Shiva, precisamos destruir tudo e reconstruir algo melhor, algo superior. Precisamos transvalorar todos os nossos valores.

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