domingo, 11 de março de 2012

Filme: O Artista

Em meio a tantos lançamentos de filmes do mundo todo dos mais diversos gêneros, das diversas indústrias cinematográficas espalhadas pelo mundo, grandes produções, efeitos especiais que as vezes nos deixam confusos se determinada cena ocorreu de verdade ou se é uma produção digital pela tamanha veracidade surge um filme com quase 2 horas de duração, em preto e branco e mudo. O filme se passa entre 27 e 32, época em que o cinema migrava de mudo para falado e conta a história da queda de George Valentim que achava que os filmes falados eram apenas uma moda passageira e da ascensão de Peppy Miller, que começou sua carreira no cinema como dançarina nos filmes de Valentim, e que chegou ao auge, ao mesmo tempo em que Valentim declinou em sua carreira ao ponto de ter de leiloar todos os seus bens e ir morar com o criado, Clifton. Após incendiar sua casa e descobrir que Peppy havia comprado praticamente todos os seus itens leiloados, volta para sua casa (pós queimada) e desesperado pega um revolver para se matar, quando Peppy chega, ele desiste de se matar e ela insiste a ele, e ao diretor da kinograph Studios, Zimmer que eles estrelem juntos um musical.
Lendo este breve resumo, parece um filme com uma história comum, retratando alguém ou algo e que, como na maioria dos filmes, tem seu final feliz, porém são os pequenos detalhes do filme que fazem dele ainda mais grandioso. E uma mente brilhantemente analítica como da Tatiana Mendes (1) para me fazer comentários interessantíssimos sobre tais características que passam despercebidas à maioria do público.
Bom, só pelo fato passar no final dos anos 20 e começo dos anos 30, ter sido produzido em preto e branco e mudo, já é algo de se estranhar, pensando na correria do nosso dia-a-dia e com os filmes lançados ultimamente. Temos todos os anos aproximadamente de 20 a 25 mi filmes produzidos ao redor do mundo, e lançados em cinemas, Dvds ou divulgados em outras mídias, e boa parte dele, pelo menos àqueles que temos mais contato: filmes em cartaz nas diversas salas de cinema, na televisão e Dvd.
Vejo este filme como uma certa crítica, uma reflexão com nossa cultura atual, vivemos na época mais comunicativa da história, a todos momento estamos conectados com o mundo e conversando com alguém, seja pelo pessoalmente, telefone, sms, ou nos diversos canais da internet. Falamos muito, mas falamos muito por falar, a maior parte do que dizemos são coisas sem sentido, fúteis, que grande parte das vezes não queremos falar ou ouvir, mas ainda assim falamos. Ver um filme mudo nos causa certa estranheza, nos põe à pensar no que significam os gestos, os movimentos, coisas que passam despercebidas por boa parte das pessoas. O necessário não necessariamente será comunicado através de palavras, a mensagem mais importante muitas vezes está nos gestos, nos movimentos, naquilo que não é dito.

” É ela a responsável pela primeira impressão de uma pessoa. O investigador americano Mehrabian fez uma estimativa da proporção verbal/não verbal do comportamento e concluiu que 55% da mensagem é transmitida via linguagem corporal. Ainda segundo o mesmo estudo, a voz é responsável por 38% e as palavras apenas por 7%.”
(2)

Também há a questão da cor do filme, o preto e branco é mais arcaico, mais cansativo, mas ao mesmo tempo mais puro, não há poluição visual, não estamos em contato com diversas cores e efeitos, o ambiente, o visual, todo o cenário de filmes em preto e branco são mais limpos, pois sua dualidade tonal reduz a capacidade de disseminação de algumas formas e figuras que precisariam de diversas cores para que pudessem ser distinguidas. O preto-branco já tira esta confusão de imagens e cores e objetos que temos contato visual a todo instante, a poluição visual foi cortada de cena.
Algumas características interessantes do filme estão nos detalhes de roupas e cenas, como o vestido da Peppy, com um decote muito maior do que o de costume na década de 20, o vestido que na parte de trás as listras contornam o quadril indo em direção a bunda, indicando um sinal de sexualidade. A cena em que Peppy entra no camarim do Valentim e põe um braço dentro do terno dele e faz como se ele a abraçasse, outra cena com certo teor sexualista, claro, pensando nos conceitos morais da época. Valentim que quando estava no auge, em todas as cenas estava cercado de espelhos e sempre se olhava, sempre com um semblante altivo, e quando em seu declínio já não se olhava mais no espelho, não se reconhecia mais. Outra cena com traço de perda da personalidade é aquela em que Valentim assistiu a um filme em sua casa, e assim que acabou se levanta e pára em frente ao retroprojetor e sua sombra projetada na parede discute com ele e o abandona, ele não perdeu a sombra, ele perdeu a alma. Não acompanhou uma ‘tendência do mercado’ e acabou sendo deixado pra trás, foi esquecido e logo substituído, o “ele” já não existe mais, foi embora com sua fama, sua personalidade era o ator famoso, no auge, o galã, idolatrado, amado.
É interessante notar também as mudanças que ocorrem na sociedade, e que quando não a acompanhamos ficamos para trás, temos que estar de acordo com o mundo em que vivemos, senão seremos esquecidos, seremos sempre um lado B. Como poucas pessoas tem a percepção na hora certa de mudar, para onde ir, o que e como fazer e como a mudança do status de ídolo para esquecido pode levar a pessoa a loucura.


(1)Comentários da Tatiana Mendes em itálico.
(2)http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o_n%C3%A3o_verbal

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